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Zygmunt Bauman: uma biografia

  • Libertas
  • 21 de jun. de 2015
  • 9 min de leitura

O nome de Zygmunt Bauman e sua biografia são objetos de curiosidade de boa parte dos estudantes de sociologia ou interessados em análises contemporâneas. Devemos começar entendendo que ele é um dos pensadores mais profícuos da atualidade, principalmente após se aposentar da Universidade de Leeds em 1990, instituição em que dava aula e era chefe de departamento, desde que foi banido de Varsóvia, na Polônia, em uma onda antissemita. Sua capacidade de relacionar os mais variados temas vai do consumismo para o Holocausto, passando pelo programa Big Brother, o Survivor e voltando para a descentralização do poder nas sociedade globalizadas.

Zygmunt Bauman: uma biografia feita por muitos

FAzer uma biografia de Zygmunt Bauman não é fácil: ele vive em uma casa nos subúrbios de Leeds, mas passa boa parte dos meses em viagens para Rússia, Alemanha, China, França e todo o Leste Europeu, onde realiza palestras e seminários sempre requisitados. É possível que sua fama seja maior no continente em si do que na ilha em que vive: mesmo com o prestígio de ter sido chefe do departamento de Sociologia da Universidade de Leeds e de ser admirado pelo arquiteto da terceira via (política do ex-primeiro ministro Tony Blair), o sociólogo Anthony Giddens.

Segundo Bauman, sua sociologia não está interessada em fortalecer Estados e ser uma arma para o poder. Ele entende que sua audiência está localizada em pessoas e grupos que desejam primariamente ser vistos. São grupos que querem simplesmente ser humanos, “e que lutam para isso”, diz o autor. O que o preocupa são as convenções sociais que acabam com a possibilidade das pessoas serem aquilo que desejam, são os dispositivos de poder que as prendem, são os discursos que as obrigam a fazer as coisas conforme uma maneira hegemônica e seu foco está na sociedade cada vez mais individualista que suporta estes males. Já a tentativa de solução está na importância que ele dá para a renovação do espaço público, ou seja, de sua desprivatização.

É verdade que aqueles que estão no poder não veem sua sociologia com muito interesse: em seus livros, nós lemos uma ácida crítica ao liberalismo, uma visão nada confortável do futuro que beira o pessimismo em alguns momentos, avança para a crítica à incapacidade de amar contemporânea e continua para a possibilidade de futuros holocaustos, além de dizer que a nossa atual existência se dá sobre o que chama de “modernidade líquida”, em que a incerteza e a insegurança imperam.

Seu pessimismo esporádico já lhe rendeu críticas, como as de Geoff Mulgan, Chefe Executivo de ações promovidas por Blair em seu mandato. Segundo Mulgan, Bauman não passa de mais um pessimista europeu que aplica seu projeto a tudo. Projeto esse inspirado por sua própria vida, de um judeus polonês sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, refugiado na União Soviética e expurgado da polônia em 1968, em uma onda antissemita.

Mas Bauman entende que a pequena carga de pessimismo que fornece é necessária. Oras, se já há muitos poetas, cientistas e triunfalistas de todas as espécies espalhando as mil virtudes do liberalismo, porque não expor sua características desastrosas?

De fato, o autor é muito mais otimista em pessoa do que em seus livros. Em conversa com Zygmunt Bauman, Mark Davis, diretor do Instituto Bauman de Leeds, revela que hospitalidade, um bom diálogo e incentivos para fazer coisas que irão mudar o mundo são ingredientes que não faltam.

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Ele participava com entusiasmo das atividades do Partido Comunista nos anos 40 e 50, quando uma nova polônia estava sendo construída após a guerra. Foi então que começou a se desligar do marxismo: se desiludiu da experiência socialista na União Soviética e, junto com outros acadêmicos da Universidade de Warsaw, desenvolveu um tipo de marxismo humanístico. Ele ainda se intitula socialista, e diz que mais do que nunca é necessário socialismo no mundo.

Mas o tempo em que o autor permaneceu dentro da linha oficial do marxismo foi breve: logo descobriu Gramsci e viu a possibilidade de honrosamente se distanciar do marxismo ortodoxo. “Eu nunca me tornei antimarxista, como a maioria se tornou. Eu aprendi muito com Marx e sou agradecido”.

Sobre sua vida pessoal, é difícil conseguir muitas informações. O autor não revela muito de seu passado e se esquiva de perguntas pessoais. O que sabemos é o básico, que nasceu na província de Posnan, na Polônia, em uma família modesta. Lutou muito para conseguir se educar formalmente, pois as condições de um judeu pobre não eram fáceis, viajou para a URSS quando os alemães invadiram seu país natal e entrou para o Exército Vermelho. Foi morar em uma cidade afastada e passava seu tempo livre estudante para uma graduação em física.

Somado a isso, o próprio autor pode dar mais algumas informações: “eu fui criado na cozinha. Minha mãe era uma pessoa de grande inventividade, ambição e imaginação, mas nós éramos relativamente pobres e ela era limitada pelo trabalho doméstico. Meu pai chegava do trabalho a noite e imediatamente dormia, era um homem muito cansado. Mas eu o relembro com muito entusiasmo, ele se construiu sozinho. Nunca foi pra faculdade, mas aprendeu a falar diversas línguas e era um ávido leitor e, acima de tudo, era uma pessoa extremamente honesta”.

De fato, nós quase perdemos nossas vidas devido a sua honestidade. Em 1939, nós estávamos indo embora de Posnan, quando os alemães a invadiram, já que a cidade era quase na divisa com a Alemanha. Nós pegamos o último trem para o leste, mas fomos parados na estação por um bombardeio alemão. Nós deveríamos ir embora da estação, por que ela era o alvo do ataque, mas ele queria encontrar o cobrador para pagar nossas passagens”.

Apesar de ser judeu, Bauman foi criado para falar somente a língua polonesa, se relacionar com poloneses e comer comida polonesa. Seu avô até tentou lhe inculcar parte da tradição judia, mas não funcionou. No entanto, uma coisa funcionou para empurrar hábitos judeus em Bauman: sua esposa Janine é uma mãe judia e, desde a aposentadoria de Bauman, prepara todos os pratos da casa. É ela que faz valer a hospitalidade do leste europeu, fazendo pequenos pães, cupcakes e demais docinhos de café da tarde com o toque da típica tradição judia.

Já em suas obras, Zygmunt Bauman inverte a tese freudiana de que o seres humanos trocaram liberdade por segurança. Agora, nós trocamos segurança por liberdade e essa liberdade nos traz uma responsabilidade qual nós ainda não sabemos lidar (ou calcular), que envolve levar nossa vida individualmente, lidar com nossas emoções sozinhos e promover por nós mesmos nossa própria participação política (ou ausentar-se dela).

Seu amigo Richard Sennett, sociólogo inglês e professor da London School of Economics, seu pessimismo cai em um desafio para a sociedade contemporânea. “Quando você conversa com Bauman, ele é muito otimista. É marcante que neste estágio da vida ele seja tão engajado. Ele diz que ainda há um longo caminho para percorrer dentro do tema da responsabilidade pessoal e diz que faz muitos contatos com pessoas jovens para entender seu mundo. Muitos pensadores de sua idade pensam que o mundo vai direto pro inferno – como Adorno no fim de sua vida, que parecia não gostar de nada. Mas o trabalho de Bauman não é assim, ele é como um ‘faça isso se tornar melhor!’”.

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“Ao contrário dos clichês de que a juventude estaria em uma crise de engajamento, Bauman responde que eles ainda estão muito interessados na ação responsável de uma perspectiva ética. Só não estão mais comprando a revista New Labour. Eles querem algo mais próximo de suas vidas. E é isso que acontece quando alguém diz que eles são responsáveis por se relacionar com outras pessoas de uma maneira ética. E por isso ele é tão popular”.

O pessimismo de verdade é o silêncio. É não fazer nada com a certeza de que nada pode ser feito. “Por que eu escrevo? Por que eu penso? Por que eu me apaixono desta maneira? Porque as coisas podem ser diferentes, elas podem ser melhores. [Meu papel] é alertar as pessoas dos perigosos e pedi-las para fazer algo diferente. ‘Não se console dizendo que você fez tudo que poderia ser feito. Isso não é verdade’, diz o filósofo Levinas. Basicamente uma sociedade que se diz desejar a justiça vive se consolando por não te-la alcançado”, diz Bauman.

Com tal importância dada para a ética e moral, não é surpresa que o autor tenha sido descrito como “O Profeta da Pós-Modernidade” por Dennis Smith, em um livro de mesmo nome. Para Ian Varcoe, parceiro de Bauman na Universidade de Leeds, o sociólogo mede a sociedade com base em uma utopia e sempre a observa do ponto de vista dos explorados e oprimidos.

“Este conceito de classe inferior me deixa horrificado”, diz Bauman, “você não é de uma classe inferior, você está simplesmente excluído – está do lado de fora. As pessoas costumam subestimar a humilhação e o sofrimento que é estar excluído do mundo e preso nos guetos”.

“Na sociedade do consumo, as pessoas se divertem, se fascinam com coisas e gozam delas. Se você define seu valor pelas coisas que você tem e que te rodeiam, ser excluído é humilhante. E nós vivemos em um mundo da informação, todo mundo sabe tudo sobre todo mundo. Há uam comparação universal em que você não é comparado com a pessoa que mora ao lado, mas é comparado com pessoas de todo o mundo que tem suas vidas apresentadas como as vidas decentes, própria e dignas de se viver. É o crime da humilhação”.

Zygmunt Bauman, uma biografia intelectual e pessoal

De todas as reviravoltas teóricas e das mais variadas preocupações intelectuais que teve em sua biografia, Zygmunt Bauman talvez tenha na questão moral uma de suas contribuições que mais se desenrolaram ao longo do tempo. Primeiramente, o que o atraiu foi o marxismo, que ele estudou na divisão polonesa do exército vermelho, na União Soviética, enquanto ainda era um adolescente.

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Ela, também escritora, fez suas memórias lançou em 1985, contando como sobreviveu aos guetos de Warsaw, enquanto muitos de sua família morriam.

Este livro influenciou Bauman de maneira tão grande que impactou seu livro Modernidade e Holocausto. O livro, aclamado na Alemanha, afirma que o holocausto não se deu por conta do nacionalismo alemão, mas sim pela própria situação que a modernidade condenava seus participantes. O aumento da burocracia e tecnologia chegaram a patamares em que era plausível ver a responsabilidade moral desaparecer no ar.

Segundo Zygmunt Bauman, somente culpar a Alemanha exonera todos os outros da culpa, já que as ideias eugenistas foram adotadas por diversos países, inclusive os Estados Unidos e a Escandinávia. “Pessoas comuns, que seriam exemplares em outras situações, de repente fizeram parte de uma das maiores atrocidades. Este é o real problema. Não há tantas pessoas psicologicamente corruptas para explicar as atrocidades que acontecem ao redor do globo. Então, o problema é: pessoas que, em outras circunstâncias, seriam membros exemplares da sociedade, participaram de coisas monstruosas – apesar de ser difícil os classificar como monstros.

Bauman conta que fazia um jogo, enquanto bebia com Janina, tentando deduzir como seriam suas vidas sem Hitler. A educação superior que conseguiu na URSS se deve à guerra, assim como a possibilidade de melhorar de vida (como todos os combatentes do Exército Vermelho) e até mesmo o casamento de ambos aconteceu devido à Segunda Guerra: a distância da província pobre em que Bauman morava, da vida rica que Janine levava na Polônia não permitira que ambos se conhecessem. Segundo Bauman, quando viu Janine na sala de palestras da Universidade de Warsaw, quando a conheceu, já sabia que era a mulher de sua vida e que não precisaria mais procurar nada nem ninguém. Em 9 dias a pediu em casamento.

Ambos expressam profundo amor e respeito um pelo outros e em seu segundo volume do livro de memórias, Janina dedicou parte para descrever a felicidade no início do casamento em dar a luz para Anna, agora uma professora universitária de matemática em Israel, ou dos cuidados que recebeu de seu marido após o nascimento de seus gêmeos, Lydia e Irena, pintora e arquiteta, respectivamente.

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Neste início de vida em conjunto, ambos estavam conseguindo enorme sucesso em suas profissões. Janina era uma editora de scripts de filmes, enquanto Bauman seguia sua carreira de sociólogo e era editor da revista acadêmica Sociological Studies, que chegou a vender todos os exemplares logo no primeiro dia de publicação.

Foi então que uma onda antissemita passou pela universidade em que era professor e, ao mesmo tempo que o fez ser demitido, também acabou com a carreira de Janina. Ambos se mudaram para Israel, mas ficaram unicamente por três anos. “Queríamos sair de um nacionalismo e não queríamos entrar em outro”.

Bauman recebeu uma proposta para ser chefe de departamento na Universidade de Leeds e se mudou para Inglaterra. Durante sua vida acadêmica em Leeds, recebeu também propostas para ser professor em Yale, Oxbridge e London School of Economics, mas permaneceu na mesma universidade. Não buscava fama. “Já havíamos nos mudado demais no passado”, explica Janina.

Uma das características marcantes de Bauman é o foco na moralidade: diferente da maioria dos sociólogos, ele não apresenta sua conclusões a partir de dados estatísticos, mas a partir de proposições embasadas teoricamente e historicamente. É quase como a maneira de Zizek de apresentar seus argumentos.

Diferente do que alguns sociólogos pensam, Zygmunt Bauman não fundou uma escola de sociologia. Sua biografia mostra que ele nem mesmo participava ativamente da Associação Britânica de Sociologia. Alguns marxistas o tratam com suspeita, tanto por ser um ex-membro do Partido quanto por ter sido expulso da Polônia, no entanto, uma de suas características é o decoro e a crítica sempre presente. Segundo Varcoe, Bauman consegue se distanciar e ao mesmo tempo ser próximo das questões que trata, de maneira que sua análise é sempre impecável.

E sua inspiração para a escrita vem literatura. Italo Calvino e Borges são nomes que ganham destaque em seu estilo: “seus livros são exemplares de tudo que eu aprendi a desejar e lutei, em vão, atingir – a visão ampla do mundo, a familiaridade em todos as áreas do saber humano e a sensibilidade com as coisas que ainda nem mesmo foram completamente descobertas”.

Fonte: https://colunastortas.wordpress.com/2015/01/05/zygmunt-bauman-uma-biografia/


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